Antes de tudo: rastreio não é diagnóstico
O ultrassom do primeiro trimestre é, acima de tudo, um exame de rastreamento. Ou seja: ele não dá um diagnóstico. Ele estima probabilidades com base em medidas muito sensíveis, obtidas dentro de uma janela específica da gestação.
Se houver alterações em algumas dessas medidas — como a translucência nucal, o osso nasal, o fluxo do ducto venoso ou a regurgitação da valva tricúspide —, o sistema calcula um risco mais alto de determinadas síndromes genéticas.
Mas risco aumentado não significa certeza. Significa que precisamos investigar mais.
E o que pode interferir no exame?
Essa é uma pergunta válida e que eu escuto com frequência no consultório.
Alguns fatores podem, sim, dificultar a realização ideal do exame. Por exemplo:
- Posição do feto desfavorável
- Movimentação fetal excessiva
- Bexiga materna muito cheia
- Presença de gases intestinais
- A própria janela gestacional estar muito no limite
Esses fatores podem exigir mais tempo na execução, maior experiência técnica do profissional e, em alguns casos, a necessidade de repetir o exame em um momento mais adequado.
Na minha rotina, é comum repetir um ultrassom se as condições não permitem uma aquisição de imagens confiável. Isso faz parte da boa prática.
E se o risco for considerado muito alto?
Quando o cálculo aponta um risco aumentado, a conduta depende do nível desse risco e das características do caso.
- Para riscos intermediários (entre 1:50 e 1:250), recomenda-se fazer o NIPT, um exame de sangue que analisa o DNA fetal livre circulante e pode reduzir bastante a incerteza, com um valor preditivo negativo muito alto.
- Para riscos muito altos (acima de 1:50), especialmente com uma translucência nucal aumentada (acima de 3,5mm), o recomendado é considerar exames diagnósticos, como amniocentese ou biópsia de vilo coriônico — porque há maior chance de síndromes genéticas atípicas ou doenças que só podem ser detectadas com cariótipo completo, array ou exoma.
Ademais, vale lembrar que o NIPT não substitui o exame invasivo nesses casos mais graves, porque ele analisa apenas um grupo limitado de síndromes.
Falar sobre risco é delicado mas é necessário
Transmitir um resultado que pode mudar o rumo de uma gestação não é simples. Existe um cuidado ético, técnico e humano em cada palavra que usamos.
Dizer que um exame apresentou um risco aumentado não é ser pessimista. É ser transparente. É reconhecer a possibilidade e, ao mesmo tempo, indicar os caminhos seguintes com clareza e serenidade.
É comum que os pais queiram ouvir: “Mas doutor, tem chance de estar tudo bem?” E sim, muitas vezes tem. A maioria dos casos de risco aumentado terminam com desfechos positivos. Mas também é nossa responsabilidade não minimizar, não omitir e oferecer o suporte necessário (inclusive emocional) para lidar com o período de incerteza.
O papel da medicina fetal é orientar, não sentenciar.
Como especialista em medicina fetal, estou aqui para guiar o casal com base na ciência, na experiência clínica e na escuta respeitosa. Sabemos que cada palavra pesa. Sabemos que a espera por um novo exame pode ser angustiante.
E é justamente por isso que buscamos fazer esse acompanhamento com clareza e cuidado.
Se você está passando por um momento de dúvida após o ultrassom do primeiro trimestre, procure um profissional que te escute, te explique e caminhe ao seu lado.
Porque o exame pode apontar um risco.
Mas quem ajuda a enfrentar esse risco somos nós. Juntos.